sábado, 19 de abril de 2014

#4 - À MÃE DO SOLDADO DESCONHECIDO, Ed. Bramão de Almeida

Bota discurso o militar casquilho,
Soa de mil cornetas o clangor,
Há sinos, salvas, rufos de tambor,
Tudo em glória maior de vosso filho.

Eu, que ideias guerristas não perfilho,
Tive há bocado um ramo de estupor;
Nem as cinzas dum grande imperador
Seriam trasladadas como mais brilho.

Mas ai de vós se alguma vez, doente,
Morta de fome e a tiritar de frio,
Tiverdes que esmolar! Toda essa gente

Que a vosso filho de lauréis cobriu,
Há-de passar por vós indiferente
Ou enxotar-vos como a um cão vadio.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

#3 - EMBARQUE, Jaime Ferreri

Não sei se moço
se menino ainda
senti-me embarcado
rumo à morte, à morte...


Quis o destino que com ela me cruzasse
E com raiva duas vezes desdenhasse
Da vontade que mostrava em me apanhar


Não sei se de Deus
se dos Meus que foram
ecoou por África o grito que ouvi
a dizer à morte para me poupar


Não por ser bondoso
ou por ter virtude
mas porque era moço
um menino ainda
que contra vontade
tive d'embarcar...

#2 - À SOMBRA DAS ÁRVORES MILENARES , Manuel Alegre

Passaram muitos anos mas não passou
o momento único irrepetível
o som abafado do estilhaço no corpo
o eco estridente do ricochete no metal
o cheiro da pólvora misturado com sangue e terra
o sabor da morte na última viagem de Portugal.

À sombra das árvores milenares ouvi tambores
ouvi o rugido do leão e o zumbido da bala
ouvi as vozes do mato e o silêncio mineral.
E ouvi um jipe que rolava na picada
um jipe sem sentido
na última viagem de Portugal.

Vi o fulgor das queimadas senti o cheiro do medo
o silvo da cobra cuspideira o deslizar da onça
as pacaças à noite como luzes de cidade
a ferida que não fecha o buraco na femural
no meio da selva escura em um lugar sem nome
na última viagem de Portugal.

Soberbo e frágil tempo
intensa vida à beira morte
amores de verão amores de guerra amores perdidos.
Uma ferida por dentro um tinir de cristal
passaram os anos o ser permanece.
Fiz a última viagem de Portugal.

terça-feira, 8 de abril de 2014

#1 "Juntei-me um dia à flor da mocidade", Fernando Assis Pacheco

Juntei-me um dia à flor da mocidade
partindo para Angola no Niassa
a defender eu já não sei se a raça
se as roças de café da cristandade

a minha geração tinha a idade
das grandes ilusões sempre fatais
que não chegam aos anos principais
por defeito da própria ingenuidade

a guerra era uma coisa mais a Norte
de onde ela voltaria havendo sorte
à mesma e ancestral tranquilidade

azar de uns quantos se pagaram porte
esses a que atirou a dura morte
diz-se que estão na terra da verdade

Lisboa
28-IV-94