terça-feira, 15 de novembro de 2016

#20 - ERVA, Carl Sandburg

Amontoem cadáveres em Austerlitz e Waterloo,
Enterrem-mos bem e deixem-me à solta --
          Eu sou a erva, escondo tudo.

Montes de corpos em Gettysburg
E montes de corpos em Ypres e Verdun.
Enterrem-mos bem e deixem-me à solta.
Dois anos, dez anos, e os passageiros para o condutor:
          Que sítio é este?
          Agora, onde estamos?

          Eu sou a erva,
           Deixem-me à solta.


(versão de Jorge de Sena)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

#19 - DESFILE DO POVO ALEMÃO, Bertolt Brecht

Decorridos cinco anos nos disseram
que aquele que a si próprio se intitula
enviado de Deus já aprontou
sua guerra, os armamentos;
da forja já saíram os seus tanques,
canhões e cruzadores, e são tantos
os aviões poisados em suas pistas,
que a um gesto seu o céu se toldará.
Pensámos ver que o povo era o chamado
a empunhar estandartes, que homens,
que estado ou pensamento eram os seus.
Passámos em revista o povo alemão.

E logo vimos vir
a multidão confusa
e pálida, a seguir
os traços de uma cruz
em sangue inscrita;
que é fácil iludir
em tais pendões a turba.

Vimos marchar prá guerra
alguns homens joviais
e vimos sobre o chão
rastejar muito mais.
Nem pragas, lamentos,
perguntas, nem ais,
que tudo abafavam
as músicas marciais.

Passaram cinco invernos,
e agora com seus filhos
vêm e com as mulheres.
Não crêem ser possível
mais cinco outros haver.
Assim, trazem consigo
também doentes, velhos,
e perante nós desfilam
em numeroso exército.




(versão de Fiama Hasse Pais Brandão)

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

#18 - OS MORTOS PERGUNTAM, António Neto

Nos rumos perdidos dos ventos trocados
       Todos os rumos,
Nos fumos das piras dos mortos cremados
Todos os fumos,
de todas as piras...
Nas iras dos mares
Que beberam sangue
Todas as iras...
Na ânsia enlutada de todos os lares
       Vazios de esperança
Todas as ânsias
De todos os lares...
Nos sexos sangrentos das virgens violadas
Os farrapos
a sangrar
De todos os sonhos que homens sonharam
E homens violaram...
Em todas as dores dos vivos da terra
       todas as dores dos mortos da guerra...
E os rumos perdidos
e os corpos ardidos,
e as iras inúteis,
e as ânsias caladas,
E os sonhos, sujos como vidas de virgens violadas
E todas as dores
de todos os mortos que a guerra matou,
e todos os lutos
de todos os vivos
que a guerra enlutou,
       Perguntam,
perguntam,
perguntam
a todos os ventos
a todos os mares
às roupas de luto de todos os lares,
Se valeu a pena...
...Os mortos perguntam...
Mas os ventos trocam-se,
o mar não serena
as viúvas continuam a chorar,
e os mortos não páram de perguntar
se valeu a pena...
...Mas a esperança é longa
e bela de agarrar no fundo dos martírios...
Os mortos perguntam,
os mortos protestam...
...Irmãos, os braços são magros,
mas longos,
Longos da ânsia de querer...
...A pergunta é grande e a força é pequena,
mas nós só podemos, Irmãos, responder,
Se valeu a pena...

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

#17 - NO ANIVERSÁRIO DA PAZ, Augusto Gil

Musa da guerra, que alegrias cantas?
Quem ergue e agita as triunfantes palmas,
Se um espasmo de dor prende as gargantas
E a treva ensombra os corações e as almas?

Ainda a vitória não desceu à terra...
Ainda, ainda é um falso nome...
Mas se deliu um torvo espectro -- a guerra,
Aumentou logo o velho espectro -- a fome.

Amorteceu o pávido estampido
Das vozes dos canhões, repercutentes,
Mas enche o mundo inteiro outro ruído:
-- Milhões de bocas a ranger os dentes!

Há nos tratados expressões de paz,
Mas interroga e brada a multidão:
Que bem nos veio dela? O que nos traz,
Se não nos deu contentamento e pão?

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

#16 - VERSOS À GRÉCIA, Fausto Guedes Teixiera

Mata o amor da Pátria o amor da Humanidade,
E ao pé da nossa Pátria a Humanidade o que é?!
Só em face da morte é que existe a igualdade;
Mesmo entre irmãos, na vida, há distância até.

Espírito que o mundo em teu braço agarras,
São debaixo do céu os homens tão dif'rentes!
P'ra defender os mais, sentimo-nos com garras,
Mas, p'ra nos defender, temos até os dentes.

Aos gritos dos clarins da velha Grécia em p'rigo,
O grande coração desse povo aviltado
Se em todos encontrou um coração amigo,
Fez do homem mais fraco um heróico soldado.

A nossa linda terra é Deus que no-la guarda!
Mas para libertar, convosco,o vosso solo,
Só não há-de saber pegar numa espingarda
Quem não souber pegar numa criança ao colo.

Há mil bocas de fogo em cada peito: é abri-lo!
Nas bocas dos canhões há corações a arder!
Fala-se em pátria? Basta! É o seu torrão aquilo
Que eles defendem? Basta! Eles hão-de vencer.

Lutar-se braço a braço e fibra contra fibra,
É o que a nossa razão e consciência ensina;
Não gosto do punhal, mas quando quem o vibra
É fraco e aviltado, é uma arma divina!

Porque sou, como vós, dum país ameaçado,
Eu compreendo, agora, o vosso ódio bem;
Amanhã entrarão no meu país amado
E tentarão matar os meus irmãos também.

Que importa? Ao expirar coberto de mil f'ridas,
Eu direi para mim, mais viva a fé que tinha,
Que todas as nações poderão ser vencidas,
Há uma só que nunca o pode ser: é a minha!

Pois pensai vós também que, seja como for,
Não há nada e ninguém que aniquilar-vos possa,
E a bandeira que ergueis, de que nem sei a cor,
Há-de tomar no ar as lindas cor's da nossa.

Sofrereis? Certamente! E que importa sofrer?
Só a dor purifica e torna a vida bela!
Quem me dera uma hora igual, p'ra combater!
A minha Pátria assim, para morrer por ela!

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

#15 - "A que morreu às portas de Madrid,", Reinaldo Ferreira

A que morreu às portas de Madrid,
Com uma praga na boca
E a espingarda na mão,
Teve a sorte que quis,
Teve o fim que escolheu.
Nunca, passiva e aterrada, ela rezou.
E antes de flor, foi, como tantas, pomo.
Ninguém a virgindade lhe roubou
Depois dum saque -- antes a deu
A quem lha desejou,
Na lama dum reduto,
Sem náusea mas sem cio,
Sob a manta comum,
A pretexto do frio.
Não quis na retaguarda aligeirar,
Entre «champagne», aos generais senis,
As horas de lazer.
Não quis, activa e boa, tricotar
Agasalhos pueris,
No sossego dum lar.
Não sonhou minorar,
Num heroísmo branco,
De bicho de hospital,
A aflição dos aflitos.

Uma noite, às portas de Madrid,
Com uma praga na boca
E a espingarda na mão,
À hora tal, atacou e morreu.

Teve a sorte que quis.
Teve o fim que escolheu.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

#14 - A UN ESTUDIANTE CAÍDO EN EL FRENTE DEL ESTE EN 1941, José Luis García Martín

No vivió muchos días, pero sí grandes días.
Coleccionaba tardes silenciosas,
altas noches serenas,
sueños de niño que ha crecido de pronto
y no sabe qué hacer con tanta vida.
Los frutos caen cuando están maduros.
Él cayó antes de tiempo, pero a tiempo.
Sus vacaciones nunca terminaron.
No había cumplido veinte años. Nunca
enganó a una mujer,
delató a un compañero,
cerró las manos con codícia,
suspechó que sus padres le mentían,
que las palabras más hermosas
-- patria, Dios, destino, sacrifício --
eran sólo coartada de canallas.
Ya es leve tierra en dura tierra ajena.
Ninguna tierra fue dura para él.
Donde él estaba, estaba el Paraíso.
Si le queríais, no lloréis:
sonreíd como él sonreía
cuando una bala, piadosa, lo encontro.